domingo, 16 de maio de 2010

Sobre Chris Martin, os quilombolas de Alcântara e o céu

Eu vejo repetidas vezes o vídeo do Chris Martin cantando Politik. Atento na letra da música e tremo. Você, além do espaço infinito, abra seus olhos, olhe para nós e nos dê amor acima de tudo ... ! Sua política é o que queremos!, a voz do cantor suplica em desespero.


Olhe para a Terra do Espaço
Todos têm que encontrar um lugar
Dê-me tempo e dê-me espaço
Dê-me algo real, não me dê falsidades

Dê-me força, auto-controle
Dê-me coração e dê-me alma
Dê-me amor e dê-nos um beijo
Conte-me sobre sua própria política

Volte seus olhos
Volte seus olhos
Volte seus olhos

Dê-me um, porque um é melhor
Numa confusão, confissão
Dê-me paz de espírito e confiança
Não esqueça o que sobrou de nós

Dê-me força, auto-controle
Dê-me coração e dê-me alma
Feridas que cicatrizem
Destruição que pode ser consertada

Volte seus olhos
Volte seus olhos
Volte seus olhos
Apenas volte seus olhos

Mas me dê amor acima de tudo, me dê amor, me dê amor acima de tudo isso ...


No Maranhão, Amazônia Legal, o Centro de Lançamento Alcântara (CLA) obteve, afinal,  nesta semana a licença prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a instalação do projeto de implantação do Complexo Terrestre Cyclone IV.
Nesse Complexo será instalada uma base de lançamento de foguetes e construída a área de armazenamento de oxidantes, combustíveis e o prédio auxiliar. O Alcântara Cyclone Space é um consórcio do Brasil com a Ucrânia. Sim!, a Ucrânia da extinta União Soviética; a Ucrânia da velha corrida espacial; da Chernobyl que sofreu o acidente nuclear contaminando pessoas, animais e o meio-ambiente, invadindo grande parte da Europa em 1986; a Ucrânia de tecnologia espacial de ponta - mas é preciso enfatizar: tecnologia de ponta durante a Guerra Fria, isto é, 40, 50 anos atrás.
Os quilombolas vizinhos e nós amazônidas em geral devemos estar entusiasmados. Esse é exatamente o perfil do projeto que devemos estar precisando.
Volto a ouvir a música do Chris Martin e penso no que é que precisamos, naquilo que nos faz soltar gritos sufocados olhando o Espaço para muito distante das órbitas dos satélites.
Os investimentos feitos pelas nações na conquista do céu me fazem afundar em perplexidade, seja pelos valores astronômicos, seja pela complexidade científica envolvida. E assumo: as notícias que nos chegam sobre a tecnologia de comunicação, as sondas cruzando o infinito em sua missão sem volta, os telescópios portentosos, as imagens de um mundo que me surpreendo ainda achar que devem ser povoados por mitos, por deuses, me deixam de olho vidrado nas páginas do informativo, na tela da TV, no widescreen, tão espetacular nos é um contato assim próximo com aquele mundo de eternidades; nós, nós!, formiguinhas de açúcar... Eu sou encantada com as conquistas do Espaço.

No meu campo de visão, entre os registros clicados pela sonda Hubbles, se confundem outras fotografias. São fotos desencantadas que habitam os arquivos de minha memória e denunciam crianças em alguma nação remota da África. Imediatamente, um raciocínio no melhor estilo nazi argumenta comigo. Racionaliza esse argumento que essas são duas situações distintas e as crianças da África estão em um outro plano de investimento.
É..., deve ser. E, provavelmente, os quilombolas vizinhos de Alcântara também devem estar nesse outro tal plano de investimento.

A música de Chris Martin continua tocando e as lentes grossas e potentes do poeta do Coldplay prosseguem sondando o Espaço. Mas ele não enxerga satélites e planetas. Suas lentes rastreiam a alma. E, chocado com os registros documentados ao rastreá-la, então, como um homem primevo  indiferente aos satélites, aos sistemas interplanetários, aos mistérios físicos do céu, no oceano cósmico ele procura por ajuda para aquilo que o sufoca, clama por quem possa implantar a política utópica cujo vácuo lhe causa tantas dores e diz do que realmente precisa.

Volto para Alcântara e o projeto da base espacial brasileira Cyclone.
Não somos mais um homem primevo.
... Somos?

A nossa casa chamada Terra, como anda? Quais são suas perspectivas? Aonde estamos indo e já próximos de chegar?
Se fazemos esse tipo de sondagem e os registros obtidos nos chocam, de que, então, realmente precisamos? Que política nos é urgente?


sábado, 8 de maio de 2010

Éden II

     
O Jardim! Ah, sim, o jardim! Vejo, antes de tudo, sementes secas. Logo serão vulneráveis mudinhas. Uma castanheira já foi uma vulnerável mudinha. Quantos anos levou para olhar acima da floresta? Quando deixou de ser vulnerável ... ?


       - Jasmim de cemitério, murmurei ao ver o pé no meio do canteiro maior e a rama por sobre o telhado. Tia Vitória-Régia - não deixa as largata comê as folhas. Saúva e largata gosta muito desse jasmim. Hummm! Aprende já, desde criança - o cachimbo na boca me confundindo entre as imagens de uma matinta pedindo tabaco e a do Sherlock Holmes catando enigmas.

       - As flores é o que traz alegria. Deus gosta das cores, ele criou muita flor de toda cor. Se a gente apreciar bem direito, tem muita flor engraçada também. Eu acho que muitas vezes ele criava as coisas pensando em fazer a gente rir. - E ria ele mesmo - hi, hi, hi! -, um riso pequenino e acochado, mas muito voluntário. Tio Tocantintim-por-tintim pegava latas de óleo de cozinha vazias, enfiava a ponta amolada de uma faca no lado delas e ia batendo com um martelo no cabo da faca cuidadosamente até fazer uma abertura na lata de modo que ela se transformasse numa espécie de canoinha. Ainda não disse, mas ele era perito em fazer canoas de verdade, das grandes, que precisam ser abertas a fogo. Ele pregava, então, satisfeito, muitas canoinhas de latas de óleo de cozinha vazias para que servissem de vasos nas paredes de sua casa. De cada canoinha caía uma cascata de trepadeirinhas mimosas. Eu olhava cada latinha bem de perto. As latinhas me deixavam mais curiosa que as plantinhas. Tio Tocantins gostava das plantas, muito. Eram mimadas por ele, dava logo pra se ver. Mas as latinhas na parede combinavam com a feição de tio Tocantintim-por-tim. Hoje eu sei. O rosto dele parecia com as latinhas, mas florescia, coloria, fazia rir.


Trecho de Os Anos que foram Consumidos, de Alaíde Xingu.

Eu poderia viver recluso numa casca de noz e me considerar rei do espaço infinito ...
Shakespeare, Hamlet

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Bertolt Brecht na Amazônia


A floresta verde em que nasci é a minha terra minha que eu amo. Trago seus sinais em meus olhos rasgados, minha pele mestiça, meu quase dialeto. Eu sou da floresta e a ela pertenço. Andamos um ao outro atados e aonde formos um ao outro atados chegaremos.
Não vou às minas, mas irei aonde as minas forem. Não enriquecerei com árvores no chão, mas posso tombar junto a elas. Sou levado sem retorno nos longos espectros da luz verde de minha esmeralda gigante - como toras já sem valor.
Meu Eldorado? Esta é a história dele.
Uma história mágica que sempre me alegra, pois, como está escrito em seu começo, ele não é longe, não é nada longe. Ao contrário, esse reino é perto, é bem perto daqui.

Trecho final da obra O Grande Rei Sol, de Alaíde Xingu

quarta-feira, 5 de maio de 2010

comentário anônimo

Recebi este comentário anônimo que muito me gratifica e estimula. Decidi postá-lo:

Parabéns pela reativação do blog, que é muito especial. Antes de Fernando Pessoa, Léon Tolstói já universalizava cada uma de nossas aldeias: "canta tua aldeia e serás universal", recomendou ele. O blog, portanto, tem padrinhos poderosos e uma líder delicada, perspicaz e sensível. Agora é não deixar de comparecer. Estamos ao lado.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Da minha Aldeia

A hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará, começará a ser construída no máximo em setembro deste ano. O ministro de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, considera que "foram cinco anos de estudos ambientais e não podemos mais esperar."

Durante o Fórum Social Mundial em janeiro de 2009, em Belém do Pará, tive a oportunidade de ouvir diversos pontos de vista de indígenas, como o de José Carlos Arara. "Há várias maneiras de alcançar desenvolvimento sem destruir o meio-ambiente," diz ele, "deixando os parentes sem ter de onde tirar a água e o alimento para dar continuidade à sua própria sobrevivência."

José Carlos, assim como muitos outros indígenas, se posiciona com o olhar e o tamanho descritos pelo genial Fernando Pessoa.

"Da minha aldeia eu vejo o quanto

da terra se pode ver do Universo.

Por isso a minha aldeia é tão grande como outra qualquer,

Porque eu sou do tamanho do que eu vejo,

e não do tamanho da minha altura."

Nunca estive na chamada Volta Grande, do Xingu, área que será afetada pela hidrelétrica, caso esta venha a ser concretizada. Mas decidi postar aqui algumas fotos, duas de minha autoria, que tirei durante o fórum. Por que essas fotos agora, mais de um ano passado o FSM? A razão é muito simples. Quero dividir um pouco com vocês a impressão que me invadiu ao ter contato com eles.

Dona Isabel Xerente, a senhora simpaticíssima e talentosa produtora de rico artesanato; Banhi-re Kaiapó, o jovem assessor da etnia Kaiapó, orgulhosamente assumido de sua origem e, também, um sonhador que enxerga o céu como limite; José Carlos Arara, rapaz que apresenta um olhar compenetrado ao falar do dilema que representa o projeto da hidrelétrica de Belo Monte, e que lamenta acima de tudo a carência de acesso a uma educação mais avançada.

São eles pequenas imagens de uma grande aldeia que também vê o Universo; que é tão grande quanto outra terra qualquer; que é do tamanho de seu olhar e não de sua altura.

São eles pequenas imagens de uma aldeia que se senta em grande roda, e está sentada agora, e tem muito o que dizer sobre esse futuro que se chama breve e paira sua ameaça de abrir as comportas em setembro.

Meninos Carvoeiros


Os meninos carvoeiros
Passam a caminho da cidade.
- Eh, carvoero!
E vão tocando os animais com um relho enorme.



Os burros são magrinhos e velhos.
Cada um leva seis sacos de carvão de lenha.
A aniagem é toda remendada.
Os carvões caem.

(Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe, dobrando-se com um gemido.)

- Eh, carvoero!
Só mesmo estas crianças raquíticas
Vão bem com estes burrinhos descadeirados.
A madrugada ingênua parece feita para eles...

Pequenina, ingênua miséria!
Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis!
-Eh, carvoero!
Quando voltam, vêm mordendo num pão encarvoado,

Encarapitados nas alimárias,
Apostando corrida,
Dançando, bamboleando nas cangalhas
como espantalhos desamparados.

Manuel Bandeira

05/04/2010 - 15:59 - Da redação do Portal AZ / Agência Brasil - Fotos: SRTE

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) embargou 33 empresas, entre siderúrgicas e transportadoras de carvão no país. A ação faz parte da Operação Corcel Negro, realizada entre os dias 22 e 31 de março, que tinha o objetivo de fiscalizar o transporte, a produção e o consumo de carvão.

O Pará foi o campeão de irregularidades com um total de R$ 266,9 milhões em multas e 250 fornos destruídos, seguido por Minas Gerais, pelo Mato Grosso do Sul, pelo Paraná, pela Bahia, pelo Maranhão e pelo Piauí.

terça-feira, 20 de abril de 2010

ESPINHOS DE PORCO-ESPINHO

Tenho nariz miúdo. Me chamam de sonso porque pareço macio e inofensivo. Mas eu sou macio e inofensivo.

Quando estou calmo.
E eu sou calmo. Os outros é que me deixam nervoso.

Nervoso. Não agressivo.


Veja. Estou roendo o meu almoço na paz do mundo. Então ele aparece latindo e babando chibante. O cachorro.

Eu dou ré, simplesmente. Acerto nos dentes. Fico com pena depois. Aqueles espinhos todos na boca, no focinho.
E aquele choro!

Mas já foi. Nasci com meus espinhos. E eles, calmos, são bem macios e fofinhos. Eu sou fofo.
Peguei má fama, é verdade. Quem nunca viu uma foto minha imagina um catitu. Mas isso até me dá sono.

É intriga do cachorro.


Só que, às vezes, eu queria ser paparicado. Sabe como é ... eu vejo nuns colos uns coelhinhos ...
Hmm ... dóem meus espinhos ... Eu sou macio e inofensivo! Penso muito nos coelhinhos. E fico nervoso.

Nervoso, não agressivo.



Como a gente engana a nós mesmos!

Alaíde Xingu